EXPEDIÇÃO
JARINA
AGOSTO/2011
Diário de viagem
7 de agosto (domingo)
Saída
do Rio de Janeiro, às 9h, em vôo da
Gol. No check-in, a recepcionista pediu para abrir
um embrulho que eu levava para o Tamarikô Juruna: um
rádio de comunicação, que
eu havia prometido a ele, em 2008. Tal providência
não foi necessária, passaram
no Raio X. Como sempre, esta companhia aérea continua
fornecendo aos passageiros tabletes de
cereais ou batatas chip e rosquinhas,
sucos e refrigerantes. O vôo foi com conexão em
São Paulo.
Às 14h,
cheguei em
Goiânia. Fui para a rodoviária e tive que
esperar
até as 23h para pegar o
ônibus para São José do Xingu. Cheguei
no dia seguinte, por volta das 22h, e
hospedei-me no hotel Elite.
9 de agosto (3ª feira)
Aluguei a caminhonete do Jeremias e fui me encontrar com o
Sérgio Vahia às
margens do rio Jarina, afluente da margem esquerda do Xingu.
São cerca de 90 Km
de estrada de chão. Paramos na aldeia dos Jurunas e levamos
o Tarepá, que vai
substituir o índio Suiá, filho do Kuiuci, de nome
Pigrytxi Suiá. Lá estavam me
esperando, além do Sérgio, o Odone, o Paulo
Castilho e o Pigrytxi, depois de
terem descido o rio Pacas, afluente do Suiá-Missu, que
desemboca no Xingu, na
margem direita, um pouco acima de Diauarum. Dali subiram até
a aldeia dos
Trumais e desceram o Xingu até a BR-80. Nesse mesmo dia, o
Paulo Castilho e
Pigrytxi regressaram a São José do Xingu. Fizemos
os últimos ajustes em nossas
canoas e mochilas. Amanhã, vamos iniciar a grande jornada
pelo Jarina, com a
nova tripulação: Sérgio, Odone,
Tarepá e eu.
10
de agosto (4ª feira)
Saímos
às 9h30, nas coordenadas 10º 30’
34” S –
53º 24’ 27” W. Navegamos
de remo cerca de 8 Km no primeiro dia de
viagem, sem qualquer tipo de problema. Pescamos seis peixes entre
piranhas,
tucunarés e matrinxãs. Ouvimos bugios com seus
ruídos característicos, tucanos,
inhambus chorão, macucos e mutuns. À tarde e pela
manhã, o mutum faz um som
parecido com um gemido, o
primeiro mais
lento, repetindo seguidamente três vezes este som: huum, hum,
hum, hum... Acampamos
às 14h30. Almoçamos, jantamos e
pernoitamos neste novo local. Os peixes que pescamos eram consumidos
ora
assados, ora fritos. Eis,
resumidamente, algumas informações sobre os barcos: os dois principais foram
construídos em
Goiânia, por encomenda do
Sérgio Vahia, que os adaptou a partir do tradicional modelo
de canoa canadense,
reforçados com várias mantas de fibra de vidro e
transformados em um catamarã,
e mais uma canoa canadense comum doada pelo Paulo Castilho, rebocada,
que foi
utilizada para carga: estoque de comida, gasolina, trempe etc. No
catamarã,
sentavam os quatros viajantes, sendo dois na proa e dois na popa. O
motor que o
Sérgio levou foi um Mercury de 15 cavalos, usado apenas em
momentos especiais e
para subir rios. Outro equipamento importante foi o gerador que foi
utilizado
para recarregar as nossas baterias. Durante o trajeto Jarina foi ligado
apenas
uma vez.
11
de agosto (5ª feira)
Partimos
às 8h30. Por volta das 12h30, chegamos ao
local em que os índios fizeram um acampamento para resgate
das vítimas do
desastre do avião da Gol, vôo 1907. Lá,
pescamos tucunarés e piranhas, que
foram consumidos assados. Escutamos macucos piar nas
imediações do nosso
acampamento. Fiz uma lamparina com uma lata de sardinha, achada no
antigo
acampamento por ocasião do resgate. Recolhemos
também uma tábua que iria servir
para limpar peixes e como banco do piloto. Naquela altura,
só tínhamos uma
caneta, pois, a outra caiu no rio. Nossa rotina nesses pousos
é simples e
prática: ancoramos às margens do rio, limpamos o
local para colocação das redes
ou colchonetes e a cozinha, sempre localizada um pouco afastada para
dificultar
a presença de abelhas. Essa é uma
lição aprendida na
expedição de 2008. Cheiro
de comida, sal, açúcar etc são um
grande atrativo para o ajuntamento desses
insetos.
12
de agosto (6ª feira)
Novo
pouso, apelidado por nós como “Pouso do Pato e
do Mutum”. Como sempre, saímos às 8h30
e chegamos às 12h30,
em outro ponto. Hoje
é dia do aniversário do Odone.
Está completando 66 anos. Como ele é o nosso
cozinheiro, hoje foi dispensado dessa função. A
comemoração foi à noite, e no
jantar foi servido pato e peixes acompanhados de cachaça.
Comemorar 66 anos, em
pleno Jarina, no Parque Indígena do Xingu, não
é para qualquer um, acontece
apenas com os aventureiros. O Odone ficou todo feliz, acho. Como ele
raramente
bebe, sua dose de
cachaça foi apenas uma
bicada, como dizem os cachaceiros, ficando para nós a maior
parte da bebida.
13
de agosto (sábado)
Sempre
saindo no mesmo horário, chegamos ao novo pouso em torno das
12h30.
Depois da arrumação do acampamento, pescamos uma
matrinxã e duas piranhas, que
pesaram juntas 4 Kg. À noite, o Odone preparou um
macarrão ao dente de piranha.
Durante aquele dia, não houve grandes novidades.
14
de agosto (domingo)
Saímos
às 9h, e chegamos no outro pouso às 14h.
Antes da nossa partida, observei um mutum no poleiro ao amanhecer.
À noite, eu
e o Odone pescamos muitas piranhas. O Tarepá pescou quatro
tucunarés. Neste
acampamento, vamos ficar alguns dias, pois é daqui que vamos
fazer a picada até
o Centro Geográfico. É um local limpo, arenoso,
com grandes árvores em seu
redor. Nesse dia à noite, escutamos um grande grito de
onça pintada e, logo a
seguir, ela passou a esturrar, ruído
característico desse felino. Ela estava na
outra margem do rio. Da nossa parte, não houve qualquer
estremecimento. Todos
reagiram bem aos urros da onça.
15
de agosto (2ª feira)
Levantei
bem cedo, por volta das 5 h, e fui
tentar ver um mutum no poleiro. O pássaro se espantou comigo
e voou antes que
eu o visse. Em
seguida, eu e o Tarepá tomamos café e iniciamos
os preparativos para início da feitura da picada
até o Centro. Logo no início,
houve um pequeno problema. Tivemos que voltar ao acampamento porque
acabou a
carga da bateria do GPS. Trocada a bateria, reiniciamos nossa caminhada
em
direção às coordenadas 10 graus e 20
minutos S e 53 graus e 12 minutos W, local
onde se situa o Centro. Em torno das 15 h, conseguimos localizar o
novo
marco de alumínio, colocado em 2008 ao lado de frondoso
jatobá - Expedição
Sérgio Vahia de Remarcação do Centro
Geográfico - em que estiveram presentes:
Raoni, Adrian Cowell, Sérgio, Odone, eu, Tito,
Tarepá, Kokokunti, Kiabieti,
Meuban, Beptok,
Bedjai, entre outros,
mais a equipe de Daniel e repórteres da TVCA. Limpamos o
mato em torno do marco
e fomos até ao córrego próximo apanhar
água. O famoso corregão, assim chamado
pelos índios, estava seco, achamos apenas um pequeno
poço que é, na verdade,
uma pequena nascente. Detalhe interessante: ali vimos vários
lambaris.
Regressamos ao nosso acampamento no Jarina e chagamos às
17h20. A distância
aproximada do Jarina ao Centro é de 2 Km, enquanto que pelo
Xingu são 18 Km.
16
de agosto (3ª feira)
Levantei
às 5h30, fiz café e, novamente, saí
para
espiar um mutum. Desta vez ele não me viu e pude ver sua
silhueta logo assim
que o dia clareou. Eu e o Tarepá refizemos a picada,
cortamos tocos e paus para
facilitar o deslocamento do Sérgio, que anda de muleta.
Aliás, em 2008, ele fez
uma caminhada de cerca de 50 Km também de muleta.
É um fenômeno que precisa ser
estudado, pois o cara está com 83 anos. Já fez
uma operação na coluna, em 2010,
e colocou uma meia dúzia de parafusos. Na volta, do Centro
ao acampamento no
Jarina, fizemos em uma hora de 10 minutos. Quando saímos
pela manhã, esquecemos
de levar talheres. O Tarepá providenciou colheres de pau,
que serviram muito
bem para o nosso almoço. Estou fazendo estas
anotações sentado no catamarã
à
beira do Jarina, momento em que passaram gritando duas araras. O Odone
ligou o
gerador para recarregar as baterias. O tempo de carga é em
torno de 4 horas.
Hoje à noite não vamos pescar, pois estamos
abastecidos de peixes. Eu e o
Odone, na noite passada, pegamos cinco piranhas de 2 Kg cada.
Amanhã cedo,
vamos para o Centro juntamente com o Sérgio e o Odone.
Decidimos levar um galão
de 5 litros de água, pois no caminho não
há fonte de abastecimento de água
potável. Existem apenas dois lagos poluídos com
coco de anta.
17
de agosto (4ª feira)
Levantamos
cedo, eu e o Tarepá. Sérgio e Odone
dormem até mais tarde. Depois dos preparativos, nos
dirigimos ao Centro:
Sérgio, Odone, Tarepá e eu. No
caminho, o Tarepá capturou mais um mutum. Ele foi
moqueado na picada, enquanto a gente esperava o Sérgio e o
Odone. Em seguida,
fizemos outra parada para esperar o Sérgio. Finalmente, nos
encaminhamos ao
Centro. Logo depois, o Sérgio e Odone chegaram. Cortamos
mais alguns galhos e
árvores para facilitar a filmagem. Eu e o Odone fomos
até o córrego para encher
o galão de 5 litros de água. Foi uma tarde
tranqüila, apesar dos mosquitos que
não dão trégua. Dormimos no Centro.
Levei uma lata de leite ninho para fazer
café. Funcionou perfeitamente. Tiramos várias
fotografias e o Sérgio filmou o
Centro, por diversos ângulos. O Tarepá fez
três remos de madeira, lá no Centro.
Cortou uma árvore enorme para tirar as partes destinadas aos
remos. Revelou-se
um grande artesão, habilidade que a gente não
conhecia.
18
de agosto (5ª feira)
Pela
manhã, regressamos ao rio Jarina, depois de filmar o
local onde está situado o marco por vários
ângulos. Num dos instantes em que o
Sérgio filmava, um uirapuru começou a cantar.
Acho que o Sérgio conseguiu
registrar esta passagem rara. O Sérgio levou 5 horas para ir
e voltar do
Centro. Um bom desempenho para quem anda de muleta. Eu e o
Tarepá seguimos na
frente. Levamos uma hora e dez minutos na volta. No caminho, o
Sérgio conseguiu
filmar um porco do mato, um cateto. Descansamos da viagem e nos
preparamos para
seguir rio abaixo, pela manhã cedo.
19
de agosto (6ª feira)
Saímos
por volta das 8h30 e paramos, em outro pouso, às 13
h.
Durante a descida, pegamos quatro piranhas
e uma matrinxã grande, que serão comidas no
jantar, e no almoço de amanhã. Dia
sem grandes novidades. Ao sairmos pela manhã, penduramos uma
garrafa pet de 2
litros num galho de uma árvore para indicar a entrada do
Centro aos futuros
viajantes. O Bedjai, que é cacique na aldeia
Piaraçu, próxima da balsa no
Xingu, nos pediu para deixarmos uma marca na entrada da picada
às margens do
rio.
20
de agosto (sábado)
Estou
na beira do rio contemplando a natureza. O fogo está
aceso. Eu e o Tarepá já tomamos o café
da manhã. O Tarepá está fazendo
os acabamentos nos remos que ele confeccionou no Centro. O
Sérgio e o Odone
dormem. O silêncio aqui só não
é absoluto em razão de uma rica fauna. O rio
corre silencioso. Daqui a pouco vamos descer mais um pedaço
daquele curso
d’água. Nossa rotina é navegar cerca de
3 ou 4 horas e depois acampar. Nesse
dia, passamos por uma pequena corredeira, sem maiores problemas.
Trata-se de
uma cachoeira pequena. Hoje, pegamos três
matrinxãs, sendo uma grande. Serão
devidamente assadas para o nosso jantar.
21
de agosto (domingo)
Saímos
às 9h do nosso pouso. Por volta das 11h, nos
deparamos com uma cachoeira. Desta vez, tivemos que descer da canoa, eu
e o
Tarepá, para guiá-las por uma passagem segura. O
Sérgio e o Odone ficaram nos
barcos. Às 13 h, paramos em outro pouso. Amanhã,
devemos alcançar uma grande
cachoeira. Estamos a 4 Km dela, pela posição
tirada pelo GPS. Desta, temos
fotos baixadas do Google Earth. O Tarepá, à
tarde, continuou fazendo
acabamentos nos remos por ele confeccionados.
22
de agosto (2ª feira)
Às
9h, reiniciamos a nossa jornada rio abaixo. Descemos
calmamente, nos aproximando da grande cachoeira. Nosso objetivo
é procurar a
melhor passagem para as canoas. Às 11h30, chegamos nela. A
primeira providência
foi escolher um lugar seguro para ancorar as canoas. Nessa passagem do
rio há
uma bifurcação, formando-se uma ilha. Eu e o
Tarepá galgamos a ilha e
verificamos que não havia local adequado para a passagem do
catamarã. Tivemos
de desmontá-lo. Descemos com uma canoa de cada vez, o
Tarepá na frente e eu na
popa guiando-as no sentido da correnteza com água acima da
cintura. Esta
operação não se pode fazer
descalço, pois existem muitas pedras pontiagudas no
leito do rio. A correnteza tem muita força. É
preciso ter cuidado para não cair
e deixar a canoa atravessar, o que pode causar o afundamento da
embarcação.
Depois de descer as três canoas separadamente, acampamos. O
Sérgio e o Odone
não desembarcaram. A operação foi um
sucesso. O Tarepá, que é um índio
juruna,
tem muita experiência nesse tipo de travessia. Depois do
almoço, eu e o Tarepá
descemos até a outra cachoeira para observar uma boa
passagem. Levamos 15
minutos para descer a remo e 35 minutos para subir até o
acampamento. Dessas
duas cachoeiras, tínhamos fotos, sendo que das demais
não tínhamos qualquer
informação a respeito. Ao todo, atravessamos oito
cachoeiras.
23
de agosto (3ª feira)
Partimos
às 9h, em direção à outra
cachoeira, com as
canoas separadas. Repetimos a mesma operação,
isto é, cada canoa foi guiada
para descer a correnteza. Paramos logo depois para refazer o
catamarã. Logo a
seguir, reiniciamos a nossa navegação. Remamos
até tarde nesse dia para evitar
os mosquitos. A partir daqui, surgiu um fator altamente incomodativo: o
mosquito pium.
São nuvens de mosquito. Eles não
dão trégua. Enquanto não
escurece os piuns ficam em plena atividade. À noite, tem um
outro tipo de mosquito:
o tatuquira. Sua picada provoca ardência, mas é
menos chato do que o pium.
Basta um pouco de fumaça que ele desaparece. O coitado do Culex
fatigans, conhecido
popularmente com pernilongo, perde feio
para esses dois outros tipos de mosquitos, em matéria de
desconforto. Descemos
as canoas
nas duas grandes cachoeiras, uma de cada vez. Fizemos três
viagens em cada
cachoeira. A primeira a descer era
a de
carga; depois, a que estava o Sérgio e o Odone; e,
finalmente, a terceira. Numa
das cachoeiras menores, em que já havíamos feito
a junção das canoas, eu e o
Tarepá tivemos que pular na água, pois o
Tarepá deu uma voz de comando: pule
na água rápido, Percinoto. E assim
o fizemos para poder desviá-las
para um local do rio mais seguro. Segundo o Sérgio, os
jurunas são exímios
canoeiros. E nessa viagem, o Tarepá mostrou que é
bom nesse assunto. Sem ele,
teríamos grandes dificuldades para transpor esses
obstáculos.
24
de agosto (4ª feira)
Levantamos
cedo, tomamos café e nos mandamos por causa do
pium. Esse pequeno inseto nos perturbou até às
12h, quando chegamos no rio
Xingu. Diminuiu significativamente a presença dos mosquitos,
mas ainda a sua
presença é notada. Nesse dia, conseguimos filmar
duas antas, que brincavam
despreocupadamente no rio, e uma sucuri que estava com parte do corpo
fora
d’água. A aparência era de ter engolido
um grande animal, uma capivara talvez.
Para subir o Xingu, aposentamos os remos, e o motor entrou em
atividade. A
navegação foi feita em baixa velocidade, pois o
catamarã adaptado de canoas
canadenses não dá estabilidade para maiores
velocidades. Como começamos a
descer o rio Jarina no dia 10 de agosto, hoje estão
completando 15 dias de
viagem a remo. Mas, como paramos quatro dias para ir ao Centro, remamos
11 dias
e percorremos cerca de 150 Km. Subimos o Xingu até
às 17h, quando paramos em
outro pouso. Pegamos, em uma das praias, alguns ovos de
tracajá que foram
consumidos no jantar e no café da manhã.
À tarde, já quase noite, fomos
visitados por quatro índios caiapós, que tomaram
café, pediram anzóis e
gasolina. Eles iam pescar.
25
de agosto (5ª feira)
Estamos
saindo às 7h30 do nosso acampamento no Xingu.
Paramos na nova aldeia dos caiapós
(txucarramães), construída na entrada do
Centro pelo Xingu. A aldeia que eles habitavam, que ficava perto da
Cachoeira
Von Martius, foi abandonada por causa dos mosquitos. Falamos com as
filhas do
Raoni e com o Beptok. Passamos em frente à aldeia do
Baka-ê. Não paramos, mas
ele veio nos visitar de barco no meio do rio. Na verdade,
não foi uma visita e
sim uma inspeção, pois ele veio com a sua arma no
barco, uma espingarda calibre
20. Passamos também na aldeia do Kiabieti, mas ele
não estava. Segundo seus
familiares ele estava em Colider fazendo um curso de caça de
mergulho. Este foi
o nosso último pouso à beira do rio Xingu.
26
de agosto (6ª feira)
Saímos
às 8h em direção à balsa,
que fica na BR-80.
Antes, eu e o Tarepá levantamos às 4h para
tentar pegar mutuns. Tentativa
frustrada, embora a gente tenha ouvido muitos deles piando com os seus
gemidos
antes do dia amanhecer. Chegamos
na balsa, às 10h30. Eu, o Sérgio e o
Tarepá
desembarcamos e nos dirigimos a São José do
Xingu. O Odone ficou por lá tomando
conta dos barcos. Paramos na aldeia do
Tarepá, falamos com os seus parentes que nos
presentearam com peças de artesanato, por eles
confeccionadas. O Sérgio
vai pegar dinheiro num posto do Banco do Brasil, parece que o limite de
saque é
de R$ 1.000,00. Ao chegar em São José, comprei
uns presentes para o Tarepá, o
Tabai, o Paidê (o garotinho que foi encontrado enterrado pela
mulher do Tarepá)
e para a mulher do Tarepá. Mandei fazer uma dentadura para o
Tarepá. Nos
deslocamos até São José, na
caminhonete do filho do Nego, dono do Hotel Elite,
que é advogado e parece que vai ser candidato a prefeito em
2012. À noite, fui
jantar e tomar cerveja num pequeno restaurante próximo ao
hotel. Lá conheci um
catarinense radicado há muitos anos em Matupá-MT.
Ele tem uma fábrica de móveis
e viaja vendendo seus produtos num pequeno caminhão. Quando
chegamos em São
José do Xingu, soubemos que a aldeia dos Suiás,
que fica perto de Querência,
pegou fogo e queimou 14 casas. Parece que o acidente foi provocado por
um fogo
iniciado por uma índia ao queimar lixo. Uma fatalidade.
Colhemos também
informações de que todos os presentes doados pelo
Sérgio foram queimados.
27
de agosto (sábado)
Levantamos
às 7h e fomos tomar café. No Hotel,
estão
hospedados muitos fiscais do Ibama. Parece que eles estão
à procura de
desmatadores. Fui à farmácia comprar um
hidratante e telefonar. O Sérgio,
depois do almoço, regressou à balsa para se
encontrar com o Odone. Passei
e-mails para os familiares de um notebook emprestado por um
hóspede chamado
Gilvan, que é funcionário dos Correios. Figura
interessante. Ele é o Papai Noel
das festas de fim de ano. Tentei comprar passagem pelo site da Gol, mas
estava
em manutenção. No Hotel, tem internet banda
larga.
Comprei passagem para Goiânia
na Viação Barratur, a única que faz
aquela linha. Viajo amanhã cedo às 6h. O
ônibus circula no domingo, 4ª feiras e 6ª
feiras, no sentido Goiânia. Às 3ª
feiras, 5ª feiras e domingo ele vai para São
José do Xingu. São 22 horas de
viagem, sendo 350 Km em estrada de chão até
Ribeirão Cascalheira. Vou chegar em
Goiânia na 2ª feira, de madrugada, por volta das 4h.
28
de agosto (domingo)
A
viagem até Ribeirão Cascalheira foi normal. Nesta
cidade
há troca de ônibus. Daqui até
Goiânia, a estrada é asfaltada. Houve, logo
depois que saímos de Ribeirão Cascalheira, um
pequeno incidente. O ônibus
perdeu aceleração e tivemos que mudar para outro
até Barra do Garça. Em
função
desse atraso, chegamos em Goiânia às 6h. Ao
passar por Ribeirão Cascalheira,
telefonei para o Gabriel, amigo do Sérgio, para
avisá-lo que ele chegaria por
lá entre 8 ou 10 dias, pois ia fazer o caminho de volta
até a aldeia dos Suiás.
Falei também com o Pigrytxi pelo telefone, dando
notícias do Sérgio. Na aldeia
Suiá tem telefone comunitário, água
encanada, campo de avião, escola bilíngue,
posto da saúde, energia solar etc.
29
de agosto (2ª feira)
Guardei
minhas malas no guarda-volumes e fui tomar café.
Telefonei para o Paulo Castilho e nos encontramos na
Rodoviária, que fica
dentro de um grande shopping. Batemos papo, tomamos cerveja, e depois
tomei um
táxi para o aeroporto. Havia comprado uma passagem
até Brasília, mas, ao fazer
check-in, fui informado pelo funcionário da Gol que poderia
mudar e comprar uma
passagem direta para o Rio de Janeiro, com conexão em
São Paulo. Cheguei em
casa às 17h.
A -
Notas sobre os mosquitos
- PIUM –
Mosquitos hematófagos (fêmeas). Do tupi:
Pi’ û (que como a pele). São
também
conhecidos com borrachudos. Onde mordem deixam uma pinta de sangue. No
rio
Jarina, eles são como praga. Atacam aos milhares, como
nuvem.
- TATUQUIRA ou
mosquito-palha – Também hematófago. Do
tupi: tatu kira (chupador de sangue).
Sua picada incomoda porque arde. Atacam à noite, mas basta
um pouco de fumaça
que eles desaparecem. Por lá, existem em grande quantidade.
Estes
dois mosquitos se reproduzem em locais úmidos e nos
limos das pedras, à beira dos rios. Há
informações de que o tatuquira é
transmissor da leishmaniose.
B -
Abelhas (cachorro e africanas)
A
cachorro é natural das nossas matas. Elas adoram chupar
o nosso suor por causa do sal. Deixam o nosso corpo melado, mas
não picam.
As
européias africanizadas são um terror. Gostam
também de
lamber suor, mas, se forem tocadas, não brincam em
serviço, lascam ferroadas.
C -
Características do rio Jarina
É
um dos afluentes da margem esquerda do rio Xingu. Não
é
muito largo, a partir da aldeia do Ararapam, coordenadas 10º
30’ 34” S – 53º
24’ 27” W, local onde iniciamos a descida, varia em
toda essa extensão de 20 a
60 metros de largura. Também não é
muito profundo. Próximo às cachoeiras
vê-se
nitidamente o fundo cheio de pedras. Nesse trecho, o rio deve ter em
torno de
150 Km, considerando as curvas. Ele é bem sinuoso e tem de 8
a 10 cachoeiras,
sendo duas grandes, estas visíveis no Google Earth. As
demais são
imperceptíveis nas fotos aéreas. Tem exuberante
mata e rica fauna: onça
pintada, anta, capivara, jacaré, ariranha, sucuri, porco do
mato (cateto e
queixada), paca, mutum, jacu, inhambu chorão, arara, tucano,
pomba, pato,
piranha, tucunaré, matrinxã, pintado, pirarara,
tracajá etc.
D -
Impressões gerais sobre a viagem
A
viagem foi bem planejada pelo Sérgio. Ela estava sendo
pensada desde a expedição de 2008, quando da
remarcação do Centro.
Inicialmente, a programação envolvia a
participação do Tito, filho do Sérgio
que vive nos Estados Unidos e que, por
motivos profissionais, não pôde estar presente.
O
Sérgio levou em conta, para programar a
expedição, os
mínimos detalhes: desde a confecção
dos barcos em Goiânia, o roteiro a ser
seguido, a compra de presentes para as aldeias, as provisões
de comida,
gasolina, caixa de ferramentas, facões, machado, serra,
enfim toda uma
parafernália que uma expedição requer,
até cabo de machado levou do Rio de
Janeiro.
Ele
saiu de Goiânia acompanhado do Odone, que reside em
Bom Jardim-RJ, e é amigo do Sérgio de longa data,
do Paulo Castilho, que mora
em Goiânia-GO e também é amigo do
Sérgio. Os três se deslocaram de carro
até a
cidade de Querência e as canoas foram transportadas em
caminhão. Dali, rumaram
para a aldeia do Kuiuci, que fica às margens do rio Pacas
onde iniciaram a
descida, galgaram o Suiá-Missu e o Xingu, agora acompanhados
pelo Pigrytxi
Suiá, filho do cacique Kuiuci. Subiram o Xingu
até a aldeia dos Trumais e,
depois, rumaram em direção à balsa que
fica perto de São José do Xingu, cerca
de 42 Km.
No
início de agosto, o Sérgio me telefonou de
São José do
Xingu. Viajei no dia 7 de agosto, e eu fui me encontrar com a comitiva
no rio
Jarina,no dia 9 de agosto, onde ele me esperava. Daí para
frente os detalhes
estão no diário.
Finalmente,
para os que gostam de aventura é, sem dúvida,
uma excelente experiência, embora esse tipo de viagem
requeira bons
conhecimentos, desprendimento do conforto urbano, desfrutar de boa
saúde, ter
resistência física, estar preparado
psicologicamente para enfrentar o
isolamento na selva e possuir uma boa capacidade de
improvisação. Quem quiser
se aventurar nesse tipo de viagem deve ter em mente essas
questões.
Vale
aqui acrescentar que, no treinamento de sobrevivência
ministrado pelo Exército Brasileiro, há uma
recomendação muito útil no caso de
se estar perdido. A recomendação é de
se fazer um ESAON, que significa: E
(estacionar), S (sentar), A (alimentar-se), O (orientar-se) e N
(navegar). Agir
calmamente, sem afobação. O pânico
é o pior inimigo nessas circunstâncias.
Rio
de Janeiro, setembro de 2011.
Roberto
Percinoto