EXPEDIÇÃO JARINA

AGOSTO/2011

Diário de viagem

7 de agosto (domingo)
Saída do Rio de Janeiro, às 9h, em vôo da Gol.  No check-in, a recepcionista pediu para abrir um embrulho que eu levava para o Tamarikô Juruna: um rádio de comunicação, que eu havia prometido a ele, em 2008. Tal providência não foi necessária, passaram no Raio X. Como sempre, esta companhia aérea continua fornecendo aos passageiros tabletes de cereais ou  batatas chip e rosquinhas, sucos e refrigerantes. O vôo foi com conexão em São Paulo. Rodoviária de GoiâniaÀs 14h, cheguei em Goiânia. Fui para a rodoviária e tive que esperar até as 23h para pegar o ônibus para São José do Xingu. Cheguei no dia seguinte, por volta das 22h, e hospedei-me no hotel Elite.

9 de agosto (3ª feira)
Aluguei a caminhonete do Jeremias e fui me encontrar com o Sérgio Vahia às margens do rio Jarina, afluente da margem esquerda do Xingu. São cerca de 90 Km de estrada de chão. Paramos na aldeia dos Jurunas e levamos o Tarepá, que vai substituir o índio Suiá, filho do Kuiuci, de nome Pigrytxi Suiá. Lá estavam me esperando, além do Sérgio, o Odone, o Paulo Castilho e o Pigrytxi, depois de terem descido o rio Pacas, afluente do Suiá-Missu, que desemboca no Xingu, na margem direita, um pouco acima de Diauarum. Dali subiram até a aldeia dos Trumais e desceram o Xingu até a BR-80. Nesse mesmo dia, o Paulo Castilho e Pigrytxi regressaram a São José do Xingu. Fizemos os últimos ajustes em nossas canoas e mochilas. Amanhã, vamos iniciar a grande jornada pelo Jarina, com a nova tripulação: Sérgio, Odone, Tarepá e eu.

10 de agosto (4ª feira)
Saímos às 9h30, nas coordenadas 10º 30’ 34” S – 53º 24’ 27” W. Navegamos de remo cerca de 8 Km no primeiro dia de viagem, sem qualquer tipo de problema. Pescamos seis peixes entre piranhas, tucunarés e matrinxãs. Ouvimos bugios com seus ruídos característicos, tucanos, inhambus chorão, macucos e mutuns. À tarde e pela manhã, o mutum faz um som parecido com um gemido,  o primeiro mais lento, repetindo seguidamente três vezes este som: huum, hum, hum, hum...  Acampamos às 14h30. Almoçamos, jantamos e pernoitamos neste novo local. Os peixes que pescamos eram consumidos ora assados, ora fritos. Características dos barcosEis, resumidamente, algumas informações sobre os barcos: os dois principais foram construídos em Goiânia, por encomenda do Sérgio Vahia, que os adaptou a partir do tradicional modelo de canoa canadense, reforçados com várias mantas de fibra de vidro e transformados em um catamarã, e mais uma canoa canadense comum doada pelo Paulo Castilho, rebocada, que foi utilizada para carga: estoque de comida, gasolina, trempe etc. No catamarã, sentavam os quatros viajantes, sendo dois na proa e dois na popa. O motor que o Sérgio levou foi um Mercury de 15 cavalos, usado apenas em momentos especiais e para subir rios. Outro equipamento importante foi o gerador que foi utilizado para recarregar as nossas baterias. Durante o trajeto Jarina foi ligado apenas uma vez.

11 de agosto (5ª feira)
Partimos às 8h30. Por volta das 12h30, chegamos ao local em que os índios fizeram um acampamento para resgate das vítimas do desastre do avião da Gol, vôo 1907. Lá, pescamos tucunarés e piranhas, que foram consumidos assados. Escutamos macucos piar nas imediações do nosso acampamento. Fiz uma lamparina com uma lata de sardinha, achada no antigo acampamento por ocasião do resgate. Recolhemos também uma tábua que iria servir para limpar peixes e como banco do piloto. Naquela altura, só tínhamos uma caneta, pois, a outra caiu no rio. Nossa rotina nesses pousos é simples e prática: ancoramos às margens do rio, limpamos o local para colocação das redes ou colchonetes e a cozinha, sempre localizada um pouco afastada para dificultar a presença de abelhas. Essa é uma lição aprendida na expedição de 2008. Cheiro de comida, sal, açúcar etc são um grande atrativo para o ajuntamento desses insetos.

12 de agosto (6ª feira)
Novo pouso, apelidado por nós como “Pouso do Pato e do Mutum”. Como sempre, saímos às 8h30 e chegamos às 12h30, Tarepá e Odoneem outro ponto. Hoje é dia do aniversário do Odone. Está completando 66 anos. Como ele é o nosso cozinheiro, hoje foi dispensado dessa função. A comemoração foi à noite, e no jantar foi servido pato e peixes acompanhados de cachaça. Comemorar 66 anos, em pleno Jarina, no Parque Indígena do Xingu, não é para qualquer um, acontece apenas com os aventureiros. O Odone ficou todo feliz, acho. Como ele raramente bebe, sua  dose de cachaça foi apenas uma bicada, como dizem os cachaceiros, ficando para nós a maior parte da bebida.

13 de agosto (sábado)
Sempre saindo no mesmo horário, chegamos ao novo pouso em torno das 12h30. Depois da arrumação do acampamento, pescamos uma matrinxã e duas piranhas, que pesaram juntas 4 Kg. À noite, o Odone preparou um macarrão ao dente de piranha. Durante aquele dia, não houve grandes novidades.

14 de agosto (domingo)
Saímos às 9h, e chegamos no outro pouso às 14h. Antes da nossa partida, observei um mutum no poleiro ao amanhecer. À noite, eu e o Odone pescamos muitas piranhas. O Tarepá pescou quatro tucunarés. Neste acampamento, vamos ficar alguns dias, pois é daqui que vamos fazer a picada até o Centro Geográfico. É um local limpo, arenoso, com grandes árvores em seu redor. Nesse dia à noite, escutamos um grande grito de onça pintada e, logo a seguir, ela passou a esturrar, ruído característico desse felino. Ela estava na outra margem do rio. Da nossa parte, não houve qualquer estremecimento. Todos reagiram bem aos urros da onça.

15 de agosto (2ª feira)
Percinoto e o marco de alumínio do Centro GeográficoLevantei bem cedo, por volta das 5 h, e fui tentar ver um mutum no poleiro. O pássaro se espantou comigo e voou antes que eu o visse. Em seguida, eu e o Tarepá tomamos café e iniciamos os preparativos para início da feitura da picada até o Centro. Logo no início, houve um pequeno problema. Tivemos que voltar ao acampamento porque acabou a carga da bateria do GPS. Trocada a bateria, reiniciamos nossa caminhada em direção às coordenadas 10 graus e 20 minutos S e 53 graus e 12 minutos W, local onde se situa o Centro. Em torno das 15 h, conseguimos localizar o novo marco de alumínio, colocado em 2008 ao lado de frondoso jatobá - Expedição Sérgio Vahia de Remarcação do Centro Geográfico - em que estiveram presentes: Raoni, Adrian Cowell, Sérgio, Odone, eu, Tito, Tarepá, Kokokunti, Kiabieti, Meuban,  Beptok, Bedjai, entre outros, mais a equipe de Daniel e repórteres da TVCA. Limpamos o mato em torno do marco e fomos até ao córrego próximo apanhar água. O famoso corregão, assim chamado pelos índios, estava seco, achamos apenas um pequeno poço que é, na verdade, uma pequena nascente. Detalhe interessante: ali vimos vários lambaris. Regressamos ao nosso acampamento no Jarina e chagamos às 17h20. A distância aproximada do Jarina ao Centro é de 2 Km, enquanto que pelo Xingu são 18 Km.

16 de agosto (3ª feira)
Levantei às 5h30, fiz café e, novamente, saí para espiar um mutum. Desta vez ele não me viu e pude ver sua silhueta logo assim que o dia clareou. Eu e o Tarepá refizemos a picada, cortamos tocos e paus para facilitar o deslocamento do Sérgio, que anda de muleta. Aliás, em 2008, ele fez uma caminhada de cerca de 50 Km também de muleta. É um fenômeno que precisa ser estudado, pois o cara está com 83 anos. Já fez uma operação na coluna, em 2010, e colocou uma meia dúzia de parafusos. Na volta, do Centro ao acampamento no Jarina, fizemos em uma hora de 10 minutos. Quando saímos pela manhã, esquecemos de levar talheres. O Tarepá providenciou colheres de pau, que serviram muito bem para o nosso almoço. Estou fazendo estas anotações sentado no catamarã à beira do Jarina, momento em que passaram gritando duas araras. O Odone ligou o gerador para recarregar as baterias. O tempo de carga é em torno de 4 horas. Hoje à noite não vamos pescar, pois estamos abastecidos de peixes. Eu e o Odone, na noite passada, pegamos cinco piranhas de 2 Kg cada. Amanhã cedo, vamos para o Centro juntamente com o Sérgio e o Odone. Decidimos levar um galão de 5 litros de água, pois no caminho não há fonte de abastecimento de água potável. Existem apenas dois lagos poluídos com coco de anta.

17 de agosto (4ª feira) 
Levantamos cedo, eu e o Tarepá. Sérgio e Odone dormem até mais tarde. Depois dos preparativos, nos dirigimos ao Centro: Sergio Vahia, Tarepá e Percinoto no Centro GeográficoSérgio, Odone, Tarepá e eu. No caminho, o Tarepá capturou mais um mutum. Ele foi moqueado na picada, enquanto a gente esperava o Sérgio e o Odone. Em seguida, fizemos outra parada para esperar o Sérgio. Finalmente, nos encaminhamos ao Centro. Logo depois, o Sérgio e Odone chegaram. Cortamos mais alguns galhos e árvores para facilitar a filmagem. Eu e o Odone fomos até o córrego para encher o galão de 5 litros de água. Foi uma tarde tranqüila, apesar dos mosquitos que não dão trégua. Dormimos no Centro. Levei uma lata de leite ninho para fazer café. Funcionou perfeitamente. Tiramos várias fotografias e o Sérgio filmou o Centro, por diversos ângulos. O Tarepá fez três remos de madeira, lá no Centro. Cortou uma árvore enorme para tirar as partes destinadas aos remos. Revelou-se um grande artesão, habilidade que a gente não conhecia.

18 de agosto (5ª feira) 

Pela manhã, regressamos ao rio Jarina, depois de filmar o local onde está situado o marco por vários ângulos. Num dos instantes em que o Sérgio filmava, um uirapuru começou a cantar. Acho que o Sérgio conseguiu registrar esta passagem rara. O Sérgio levou 5 horas para ir e voltar do Centro. Um bom desempenho para quem anda de muleta. Eu e o Tarepá seguimos na frente. Levamos uma hora e dez minutos na volta. No caminho, o Sérgio conseguiu filmar um porco do mato, um cateto. Descansamos da viagem e nos preparamos para seguir rio abaixo, pela manhã cedo.

19 de agosto (6ª feira)

Saímos por volta das 8h30 e paramos, em outro pouso, às 13
h. Durante a descida, pegamos quatro piranhas e uma matrinxã grande, que serão comidas no jantar, e no almoço de amanhã. Dia sem grandes novidades. Ao sairmos pela manhã, penduramos uma garrafa pet de 2 litros num galho de uma árvore para indicar a entrada do Centro aos futuros viajantes. O Bedjai, que é cacique na aldeia Piaraçu, próxima da balsa no Xingu, nos pediu para deixarmos uma marca na entrada da picada às margens do rio.

20 de agosto (sábado)
 Tarepá confeccionando um remo
Estou na beira do rio contemplando a natureza. O fogo está aceso. Eu e o Tarepá já tomamos o café da manhã. O Tarepá está fazendo os acabamentos nos remos que ele confeccionou no Centro. O Sérgio e o Odone dormem. O silêncio aqui só não é absoluto em razão de uma rica fauna. O rio corre silencioso. Daqui a pouco vamos descer mais um pedaço daquele curso d’água. Nossa rotina é navegar cerca de 3 ou 4 horas e depois acampar. Nesse dia, passamos por uma pequena corredeira, sem maiores problemas. Trata-se de uma cachoeira pequena. Hoje, pegamos três matrinxãs, sendo uma grande. Serão devidamente assadas para o nosso jantar.

21 de agosto (domingo)

Saímos às 9h do nosso pouso. Por volta das 11h, nos deparamos com uma cachoeira. Desta vez, tivemos que descer da canoa, eu e o Tarepá, para guiá-las por uma passagem segura. O Sérgio e o Odone ficaram nos barcos. Às 13 h, paramos em outro pouso. Amanhã, devemos alcançar uma grande cachoeira. Estamos a 4 Km dela, pela posição tirada pelo GPS. Desta, temos fotos baixadas do Google Earth. O Tarepá, à tarde, continuou fazendo acabamentos nos remos por ele confeccionados.

22 de agosto (2ª feira)
 Cachoeira no Rio Jarina
Às 9h, reiniciamos a nossa jornada rio abaixo. Descemos calmamente, nos aproximando da grande cachoeira. Nosso objetivo é procurar a melhor passagem para as canoas. Às 11h30, chegamos nela. A primeira providência foi escolher um lugar seguro para ancorar as canoas. Nessa passagem do rio há uma bifurcação, formando-se uma ilha. Eu e o Tarepá galgamos a ilha e verificamos que não havia local adequado para a passagem do catamarã. Tivemos de desmontá-lo. Descemos com uma canoa de cada vez, o Tarepá na frente e eu na popa guiando-as no sentido da correnteza com água acima da cintura. Esta operação não se pode fazer descalço, pois existem muitas pedras pontiagudas no leito do rio. A correnteza tem muita força. É preciso ter cuidado para não cair e deixar a canoa atravessar, o que pode causar o afundamento da embarcação. Depois de descer as três canoas separadamente, acampamos. O Sérgio e o Odone não desembarcaram. A operação foi um sucesso. O Tarepá, que é um índio juruna, tem muita experiência nesse tipo de travessia. Depois do almoço, eu e o Tarepá descemos até a outra cachoeira para observar uma boa passagem. Levamos 15 minutos para descer a remo e 35 minutos para subir até o acampamento. Dessas duas cachoeiras, tínhamos fotos, sendo que das demais não tínhamos qualquer informação a respeito. Ao todo, atravessamos oito cachoeiras.

23 de agosto (3ª feira)

Partimos às 9h, em direção à outra cachoeira, com as canoas separadas. Repetimos a mesma operação, isto é, cada canoa foi guiada para descer a correnteza. Paramos logo depois para refazer o catamarã. Logo a seguir, reiniciamos a nossa navegação. Remamos até tarde nesse dia para evitar os mosquitos. A partir daqui, surgiu um fator altamente incomodativo: o mosquito pium. São nuvens de mosquito. Eles não dão trégua. Enquanto não escurece os piuns ficam em plena atividade. À noite, tem um outro tipo de mosquito: o tatuquira. Sua picada provoca ardência, mas é menos chato do que o pium. Basta um pouco de fumaça que ele desaparece. O coitado do Culex fatigans, conhecido popularmente com pernilongo, perde feio para esses dois outros tipos de mosquitos, em matéria de desconforto. Descemos as canoas nas duas grandes cachoeiras, uma de cada vez. Fizemos três viagens em cada cachoeira. A primeira a descer  era a de carga; depois, a que estava o Sérgio e o Odone; e, finalmente, a terceira. Numa das cachoeiras menores, em que já havíamos feito a junção das canoas, eu e o Tarepá tivemos que pular na água, pois o Tarepá deu uma voz de comando: pule na água rápido, Percinoto. E assim o fizemos para poder desviá-las para um local do rio mais seguro. Segundo o Sérgio, os jurunas são exímios canoeiros. E nessa viagem, o Tarepá mostrou que é bom nesse assunto. Sem ele, teríamos grandes dificuldades para transpor esses obstáculos. 

24 de agosto (4ª feira)

Levantamos cedo, tomamos café e nos mandamos por causa do pium. Esse pequeno inseto nos perturbou até às 12h, quando chegamos no rio Xingu. Diminuiu significativamente a presença dos mosquitos, mas ainda a sua presença é notada. Nesse dia, conseguimos filmar duas antas, que brincavam despreocupadamente no rio, e uma sucuri que estava com parte do corpo fora d’água. A aparência era de ter engolido um grande animal, uma capivara talvez. Para subir o Xingu, aposentamos os remos, e o motor entrou em atividade. A navegação foi feita em baixa velocidade, pois o catamarã adaptado de canoas canadenses não dá estabilidade para maiores velocidades. Como começamos a descer o rio Jarina no dia 10 de agosto, hoje estão completando 15 dias de viagem a remo. Mas, como paramos quatro dias para ir ao Centro, remamos 11 dias e percorremos cerca de 150 Km. Subimos o Xingu até às 17h, quando paramos em outro pouso. Pegamos, em uma das praias, alguns ovos de tracajá que foram consumidos no jantar e no café da manhã. À tarde, já quase noite, fomos visitados por quatro índios caiapós, que tomaram café, pediram anzóis e gasolina. Eles iam pescar.

25 de agosto (5ª feira)
Nova aldeia dos Caiapós
Estamos saindo às 7h30 do nosso acampamento no Xingu. Paramos na nova aldeia dos caiapós (txucarramães), construída na entrada do Centro pelo Xingu. A aldeia que eles habitavam, que ficava perto da Cachoeira Von Martius, foi abandonada por causa dos mosquitos. Falamos com as filhas do Raoni e com o Beptok. Passamos em frente à aldeia do Baka-ê. Não paramos, mas ele veio nos visitar de barco no meio do rio. Na verdade, não foi uma visita e sim uma inspeção, pois ele veio com a sua arma no barco, uma espingarda calibre 20. Passamos também na aldeia do Kiabieti, mas ele não estava. Segundo seus familiares ele estava em Colider fazendo um curso de caça de mergulho. Este foi o nosso último pouso à beira do rio Xingu.

26 de agosto (6ª feira)

Saímos às 8h em direção à balsa, que fica na BR-80. Antes, eu e o Tarepá levantamos às 4h para tentar pegar mutuns. Tentativa frustrada, embora a gente tenha ouvido muitos deles piando com os seus gemidos antes do dia amanhecer. 
Chegamos na balsa, às 10h30. Eu, o Sérgio e o Tarepá desembarcamos e nos dirigimos a São José do Xingu. O Odone ficou por lá tomando conta dos barcos.  Vahia com parentes de TarepáParamos na aldeia do Tarepá, falamos com os seus parentes que nos  presentearam com peças de artesanato, por eles confeccionadas. O Sérgio vai pegar dinheiro num posto do Banco do Brasil, parece que o limite de saque é de R$ 1.000,00. Ao chegar em São José, comprei uns presentes para o Tarepá, o Tabai, o Paidê (o garotinho que foi encontrado enterrado pela mulher do Tarepá) e para a mulher do Tarepá. Mandei fazer uma dentadura para o Tarepá. Nos deslocamos até São José, na caminhonete do filho do Nego, dono do Hotel Elite, que é advogado e parece que vai ser candidato a prefeito em 2012. À noite, fui jantar e tomar cerveja num pequeno restaurante próximo ao hotel. Lá conheci um catarinense radicado há muitos anos em Matupá-MT. Ele tem uma fábrica de móveis e viaja vendendo seus produtos num pequeno caminhão. Quando chegamos em São José do Xingu, soubemos que a aldeia dos Suiás, que fica perto de Querência, pegou fogo e queimou 14 casas. Parece que o acidente foi provocado por um fogo iniciado por uma índia ao queimar lixo. Uma fatalidade. Colhemos também informações de que todos os presentes doados pelo Sérgio foram queimados.

27 de agosto (sábado)

Levantamos às 7h e fomos tomar café. No Hotel, estão hospedados muitos fiscais do Ibama. Parece que eles estão à procura de desmatadores. Fui à farmácia comprar um hidratante e telefonar. O Sérgio, depois do almoço, regressou à balsa para se encontrar com o Odone. Passei e-mails para os familiares de um notebook emprestado por um hóspede chamado Gilvan, que é funcionário dos Correios. Figura interessante. Ele é o Papai Noel das festas de fim de ano. Tentei comprar passagem pelo site da Gol, mas estava em manutenção. No Hotel, tem internet banda larga. Comprei passagem para Goiânia na Viação Barratur, a única que faz aquela linha. Viajo amanhã cedo às 6h. O ônibus circula no domingo, 4ª feiras e 6ª feiras, no sentido Goiânia. Às 3ª feiras, 5ª feiras e domingo ele vai para São José do Xingu. São 22 horas de viagem, sendo 350 Km em estrada de chão até Ribeirão Cascalheira. Vou chegar em Goiânia na 2ª feira, de madrugada, por volta das 4h.

28 de agosto (domingo)

A viagem até Ribeirão Cascalheira foi normal. Nesta cidade há troca de ônibus. Daqui até Goiânia, a estrada é asfaltada. Houve, logo depois que saímos de Ribeirão Cascalheira, um pequeno incidente. O ônibus perdeu aceleração e tivemos que mudar para outro até Barra do Garça. Em função desse atraso, chegamos em Goiânia às 6h. Ao passar por Ribeirão Cascalheira, telefonei para o Gabriel, amigo do Sérgio, para avisá-lo que ele chegaria por lá entre 8 ou 10 dias, pois ia fazer o caminho de volta até a aldeia dos Suiás. Falei também com o Pigrytxi pelo telefone, dando notícias do Sérgio. Na aldeia Suiá tem telefone comunitário, água encanada, campo de avião, escola bilíngue, posto da saúde, energia solar etc.

29 de agosto (2ª feira)

Guardei minhas malas no guarda-volumes e fui tomar café. Telefonei para o Paulo Castilho e nos encontramos na Rodoviária, que fica dentro de um grande shopping. Batemos papo, tomamos cerveja, e depois tomei um táxi para o aeroporto. Havia comprado uma passagem até Brasília, mas, ao fazer check-in, fui informado pelo funcionário da Gol que poderia mudar e comprar uma passagem direta para o Rio de Janeiro, com conexão em São Paulo. Cheguei em casa às 17h.
A - Notas sobre os mosquitos
Estes dois mosquitos se reproduzem em locais úmidos e nos limos das pedras, à beira dos rios. Há informações de que o tatuquira é transmissor da leishmaniose.
B - Abelhas (cachorro e africanas)
A cachorro é natural das nossas matas. Elas adoram chupar o nosso suor por causa do sal. Deixam o nosso corpo melado, mas não picam.

As européias africanizadas são um terror. Gostam também de lamber suor, mas, se forem tocadas, não brincam em serviço, lascam ferroadas.
C - Características do rio Jarina Rio Jarina
É um dos afluentes da margem esquerda do rio Xingu. Não é muito largo, a partir da aldeia do Ararapam, coordenadas 10º 30’ 34” S – 53º 24’ 27” W, local onde iniciamos a descida, varia em toda essa extensão de 20 a 60 metros de largura. Também não é muito profundo. Próximo às cachoeiras vê-se nitidamente o fundo cheio de pedras. Nesse trecho, o rio deve ter em torno de 150 Km, considerando as curvas. Ele é bem sinuoso e tem de 8 a 10 cachoeiras, sendo duas grandes, estas visíveis no Google Earth. As demais são imperceptíveis nas fotos aéreas. Tem exuberante mata e rica fauna: onça pintada, anta, capivara, jacaré, ariranha, sucuri, porco do mato (cateto e queixada), paca, mutum, jacu, inhambu chorão, arara, tucano, pomba, pato, piranha, tucunaré, matrinxã, pintado, pirarara, tracajá etc.
D - Impressões gerais sobre a viagem
A viagem foi bem planejada pelo Sérgio. Ela estava sendo pensada desde a expedição de 2008, quando da remarcação do Centro. Inicialmente, a programação envolvia a participação do Tito, filho do Sérgio que vive nos Estados Unidos e que,  por motivos profissionais, não pôde estar presente.
O Sérgio levou em conta, para programar a expedição, os mínimos detalhes: desde a confecção dos barcos em Goiânia, o roteiro a ser seguido, a compra de presentes para as aldeias, as provisões de comida, gasolina, caixa de ferramentas, facões, machado, serra, enfim toda uma parafernália que uma expedição requer, até cabo de machado levou do Rio de Janeiro.

Ele saiu de Goiânia acompanhado do Odone, que reside em Bom Jardim-RJ, e é amigo do Sérgio de longa data, do Paulo Castilho, que mora em Goiânia-GO e também é amigo do Sérgio. Os três se deslocaram de carro até a cidade de Querência e as canoas foram transportadas em caminhão. Dali, rumaram para a aldeia do Kuiuci, que fica às margens do rio Pacas onde iniciaram a descida, galgaram o Suiá-Missu e o Xingu, agora acompanhados pelo Pigrytxi Suiá, filho do cacique Kuiuci. Subiram o Xingu até a aldeia dos Trumais e, depois, rumaram em direção à balsa que fica perto de São José do Xingu, cerca de 42 Km.

No início de agosto, o Sérgio me telefonou de São José do Xingu. Viajei no dia 7 de agosto, e eu fui me encontrar com a comitiva no rio Jarina,no dia 9 de agosto, onde ele me esperava. Daí para frente os detalhes estão no diário.

Finalmente, para os que gostam de aventura é, sem dúvida, uma excelente experiência, embora esse tipo de viagem requeira bons conhecimentos, desprendimento do conforto urbano, desfrutar de boa saúde, ter resistência física, estar preparado psicologicamente para enfrentar o isolamento na selva e possuir uma boa capacidade de improvisação. Quem quiser se aventurar nesse tipo de viagem deve ter em mente essas questões.
Vale aqui acrescentar que, no treinamento de sobrevivência ministrado pelo Exército Brasileiro, há uma recomendação muito útil no caso de se estar perdido. A recomendação é de se fazer um ESAON, que significa: E (estacionar), S (sentar), A (alimentar-se), O (orientar-se) e N (navegar). Agir calmamente, sem afobação. O pânico é o pior inimigo nessas circunstâncias.
Rio de Janeiro, setembro de 2011. 
Roberto Percinoto